sábado, 17 de dezembro de 2011

Anda alguém a desacertar o relógio do mundo ou foi encontrada uma mulher morta com sémen nos olhos – I Estou na rua das lágrimas com chuva; subo a montanha e do cimo de uma nuvem vejo um pássaro. Acredito que ele é Deus, criador do horizonte e do céu que se vislumbra dos olhos dos poetas vagabundos .Cai do ventre para a cidade, Lisboa abriu-me os olhos; tenho a cidade e o rio, tenho as palavras como sangue, a cair do corpo dos livros, para o silêncio das ruas. Conto-te que a poesia se atravessou qual um barco no mar do destino. Tu não acreditas no destino; olhas o branco de um muro e vês apenas linhas e agarras nelas como se faz com os gestos, assim uma outra forma de natureza. A natureza é a mãe de todas as danças, fala ela todas as línguas e tu tens o segredo de fazer mexer todos os órgãos da vida. A terra, o fogo, o elemento solidão, elemento corrosivo das paixões que faz crescer noutra direcção o nosso primeiro fôlego de existência, o princípio da nossa história. Todos temos dentro de nós um oceano, todos possuímos um peixe colorido. Em nós flutua a cal, o cimento, o barro vermelho e o ferro que levanta os guerreiros enfraquecidos. Na cidade havia um rapaz que dormia na gruta dos comboios, olhava o céu e desenhava como um Deus criança o azul seda que cobre os anjos da cidade pobre. Muito tempo a olhar as pedras, a sentir os automóveis velozes e a mão do vento a fechar os olhos dos velhos moribundos. O rapaz que desenha como uma criança é oriundo de uma ilha, todos somos uma ilha, a nossa ilha é o medo dentro de nós e tantas coisas que nem sempre são laminas ou cinzas que ardem nos olhos com lágrimas. Tu perguntas se tenho um sentido, se existe a luz e se a escuridão é aquele princípio que faz adormecer. A semente que brota da terra não tem respostas para te dar. A terra está nua, tu não reconheces a nudez dela, não é apetecível como a das mulheres. É necessário transformar o barro vermelho na forma curva das palavras, é importante regressar á energia que dá fogo ao coração e talento aos operários que transformam a força, naquela vontade, que nos protege a nós cidadãos comuns de certos rituais de sangue. É esse sangue que o artífice usa para expressar na pedra e no ferro e noutras matérias orgânicas o motivo de ser da ciência e da política, a razão de haver frutos nas árvores e espíritos vestindo os corpos e haver ódios e paixões ricos e pobres e toda a classe de criaturas que o cinema produziu tão frias e verdadeiras como a morte.

A eternidade é o momento que o criador dos céus e da terra transformou no jogo da sua solidão pessoal. Como pode ser possível o criador guardar a solidão das suas criaturas nos cinco dedos da sua mão humana?! O realista conhecido nesta rua como o mais convicto dos materialistas não acredita na eternidade. Ás mesas serve-se o pão duro e o vinho azedo; assim é a guerra; uma terra vermelha e um céu azul de fazer cair os olhos no filme trémulo da paisagem. O realista não acredita que haja um espírito a mexer as águas, nem crê num criador capaz de fazer fenómenos. No fim desta rua há um polícia gordo que guarda as portas do céu. Por guardar a rua, não pode estar ás portas do céu. Entre as portas do céu e as portas da morte fica uma lavandaria, própria para a lavagem das palavras sujas. O realista o que defende a teoria da não existência de Deus pergunta a todas as criaturas presentes na assembleia se alguém viu olhos nos olhos o ultimo silêncio das criaturas? Ninguém ou quase ninguém, soube responder; houve um rapaz surdo-mudo que na linguagem gestual contou que quem criou o mundo o fez fugindo á palavra, tinha que optar entre o poder da criação e o desgaste da linguagem. Como nesta rua existem crentes em Deus, ouvimos que ele fez os montes e os vales, os vales pareciam sinais de pontuação costumava dizer o senhor João professor de português crente em Deus. A Rosalindarespiratórios podem acontecer. O realista a propósito do bater de asas que levantam pó lembra a vinda do rei envolto numa cápsula de nevoeiro.


Parecia ficção cientifica comentava ele. O rapaz que desenhava como as crianças, que injectava nas veias a morte, essa que parece ter um sorriso feliz, sabia que o criador tanto existe na folha de um papiro, como no interior de uma velha lagarta de guerra. Exista ele ou não ficamos agradecidos á terra por nos dar uma certa dose de luz e uma certa dose de escuridão, essa escuridão íntima desenhada em lençóis de linho. Aqueles que dormem no frio das pedras, que nos últimos dias bebem o caldo de galinha no hospital público não conseguem chorar, nem sorrir, nem sabem explicar as dores que tem. O realista andou a circular pelo mundo, viu os gordos do império e os magros que a ele se submetem. A moral e a Ética não existem, existe o corredor da morte, uma grande nação terrorista e uma grande besta a trabalhar nos jornais, nas televisões, nas rádios... esta nação é uma ideia vazia. Mas o melhor é pegar uma flor, ela não é uma ideia vazia, ela cheira o perfume dos homens. Na gruta dos comboios anda um temporal, é uma peste que já dura á vários dias, alguém se vai lembrar de que há uma intenção terrorista no criador das coisas ou na natureza. Seja o criador das coisas ou seja lá quem for parece que anda por ai uma coisa que faz desacertar os relógios do mundo. Que absurdo comparar o criador a um fabricante de relógios. Este comentário foi proferido por um pastor evangélico que anunciava a salvação como se Deus tivesse andado pelo mundo a apregoar detergentes Como se chama. - Pastor Lucas De onde é? - Estados unidos Já adivinhava que havia em si algo estranho! - Estranho?! Um misto de comédia com náusea. O pastor faz um sorriso e sai caminhando na direcção da sua igreja. Cai a noite, oiço o tilintar das moedas, há uma percussão de misérias a bater na saia da cigana romena e no chapéu do velho que toca saxofone. O velho que padece de reumático antes de ser músico da rua era professor numa escola do interior Esta praga já cá anda desde que era professor – Anda por aí um veneno. Diz o caixeiro-viajante E que coisa é essa? Pergunta o sem pernas, o cauteleiro que costuma circular naquela rua Obesidade mórbida. - Pode ser coisa do diabo. Sugere o pastor Continuo na Minha, você é um gajo estranho, o diabo a causa da obesidade, o inferno deve ser pegajoso como mousse de chocolate. Ironiza o realista.
Entretanto no gabinete do presidente toca o telefone Aqui a brigada xl – Do que é que trata? - Bombas e assalto á mão armada Deve ser engano! - Nós nunca nos enganamos, a brigada xl é mais perfeita que uma linha recta Mas eu sou o presidente Serve, um tiro certeiro e temos um presidente em linha recta Vou desligar. - Tome os comprimidos para o coração Todos os presidentes que estão nos nossos ficheiros sofrem desse mal.
Durante a madrugada dois homens de espingarda ao ombro andam de um lado para o outro. Perto da janela há um homem amarrado a uma cadeira. Aproxima-se dele um dos homens Quer um cigarro? - Não fumo Não te queres contaminar! Sabes que se eu te der um tiro ficas contaminado para todo o sempre?! - Amem diz o outro homem. A seguir dá-lhe um pontapé na boca. - Estás a ver o gajo?! - Dá-lhe um tiro Posso? O outro carrega no gatilho Deixa-me contar quantos buracos lhe fizeste no corpo? - Achas que consegue lá poisar uma borboleta Talvez.

Chega um certo momento e a noticia entra no corpo, assim pão de jornal na barriga do mundo. Ouviu-se da boca do agoiro que naquela rua se tinha praticado um crime. A vítima era uma mulher de feições gregas. Fora ela violada com tanta brutalidade que o sol acordava em dores de nunca mais desejar nascer. No mesmo dia outra mulher olhava as nuvens... que terrível crime! Mas aquilo que acontece quando o gume da ignorância está afiado é uma perdição aos caminhos da natureza. O pastor evangélico apontou o dedo na direcção dos órgãos genitais dos membros da sua igreja, enquanto ele aponta o dedo os fiéis são atingidos por uma culpa no meio das pernas. Digo-vos eu que o corpo na sua essência não tem pecado a não ser a mentira que lhe deitam. A noite está um forno, a mulher olha as nuvens e vai folheando as folhas do livro guardadas há muito nas gavetas do pensamento secreto. A mulher que foi violada, a que tinha as feições gregas, alem de ter a pele queimada, havia vestígios de sémen nos olhos. A frio ainda se fala do crime, uns e outros num jogo de adivinhar um culpado elaboram suas investigações, o velho do saxofone atribui á causa do crime uma desafinação hormonal. A tal desafinação hormonal é uma bomba filha de uma grande puta. Afinal quem matou a mulher? Tudo tem de ficar registado: a quantidade de álcool no sangue, o sexo, a idade, se era velho, se novo, se tomava café com açúcar ou se costumava pôr sacarina?! O inspector que está a tomar conta deste caso é um tipo forte que quando anda arrasta os pés, tem um sotaque nórdico e um modo afável. Agora anda interrogando os moradores daquela rua, a dona Alzira a mulher da fruta não sabendo nada dá ares de saber tudo. - Cá para mim o culpado é o Garcia da novela mexicana. Insistia ela. Como já foi escrito nas páginas anteriores o movimento surrealista foi inaugurado em 1924 na cidade de Paris. Neste momento o relógio da torre marca as 11, num dos muitos exames efectuados ao corpo da vítima sabe-se que o autor do crime se deitou sobre ela assim uma vírgula no corpo da palavra. As autoridades pensam que há mão surrealista por detrás do crime e embora não havendo culpa formada foram detidos os seguintes suspeitos: O poeta Alexandre que na hora de ser detido exaltava as qualidades do cherne peixe incluído na dieta dos pedreiros e outros conhecidos trolhas, tem ele, este poema traduzido em ucraniano, croata e checo. O Sem Pernas, cauteleiro de profissão é no entender do Ministério Público um disfarçado surrealista por conseguir jogar futebol e ter uma capacidade de corrida que ultrapassa a velocidade do pensamento. António Magia professor de música apanhado com a boca no meio das pernas de uma clave de sol. Foram pois presentes a tribunal os três surrealistas, assim chamados também por andarem a surrar sobrevivências. Estes três que por terem um aspecto de Deus nosso senhor Jesus Cristo formato calendário das barbearias, aos olhos do povo tinham que levar o selo de criminosos violadores. O autor desta história sabe quem foi o homem que matou a mulher que foi encontrada com sémen nos olhos. Antes há que explicar porque é que o criador resolveu contratar um polícia gordo para guardar as portas do céu, escutemos o seguinte diálogo Pedro tens que fazer alguma coisa! - Fazer alguma coisa senhor, veja a minha idade não posso sair, o frio ia me fazer mal aos ossos Olha por uns tempos alguém vai ocupar o teu lugar e tu vai pescar, olha vai pescar bacalhau. Pedro foi pescar e Deus contratou temporariamente um polícia gordo para guardar as portas do céu. Avançando na história o verdadeiro assassino era o policia gordo que com o espírito das duas narinas guardava as portas do além e fazia descer ao mesmo tempo o corpo á terra onde se saciava de sangue e luxúria. Gostaríamos de saber o que é que teria passado pela cabeça do Criador ao contratar um polícia gordo, recrutado numa das mais baratas empresas de segurança. É verdade que um polícia merece a confiança do povo e se o Criador o escolheu de olhos fechados mesmo sofrendo de miopia na mão direita é porque sabia o que estava a fazer. Descendo à terra na rua das lágrimas com chuva o realista tem uma nova teoria sobre a crença em Deus: acreditam em Deus todos os pobres que admitindo todas as pobrezas não conseguem aceitar a pior de todas, a solidão. Quando são apanhados em flagrante nostalgia atiram-nos á cara que Deus está sempre com eles. O algibeira descosida o místico da rua disse assim: - Deus está sempre comigo, está quando estou com a mulher e lhe faço filhos e com os filhos quando atiram as minhas dúvidas ao tapete. Enquanto aqui na rua o realista e o algibeira descosida defendem teorias diferentes sobre a existência ou não de Deus o criador que tudo vê e que tudo sabe mas que para cúmulo dos cúmulos não sabe aquilo que se passa na sua casa que é o céu lugar alugado aos anjos e aos pássaros em turismo. Se não sabe o que se passa na sua casa, não deve estar informado que tem uma nova inquilina, a mulher morta com sémen nos olhos. Ora acontece que o polícia gordo esse que durante uns meses de eternidade guardou as portas do céu até ao regresso de Pedro o pescador, ele que tinha a chave dos enigmas e fazia acender a luz dos astros, resolveu o polícia confessar o crime que havia praticado. Estava ele vestido de corpo invisível quando entrou na casa de banho de um café e trocou a vestimenta invisível por uma roupa olhos de ver. Atravessava ele na passadeira quando reconheceu pelo andar o inspector que arrastava os pés. Logo ali se ajoelhou segurando as calças do inspector, este perguntou se ele tinha a tensão baixa? O outro respondeu que era um criminoso e que tinha violado uma mulher e toda aquela confissão saia a jorros. O inspector olha o homem ajoelhado a seus pés, tem uma expressão de cão danado, a seguir tira do bolso do casaco uma pistola e aponta aos olhos. Grande escuridão! Parece que desligou o interruptor da existência. Foi tudo tão rápido, de um clique a luz do nascimento, depois outro e vem a escuridão da morte. Tu sopraste nas narinas do teu amante, o paraíso está quando tens o amor e quando não o tens armas o teu negócio, um bilhete de ida e volta por essa estrada dentro. O paraíso és tu. Quem te pode expulsar?! Só o engano te atira para fora do teu lugar conquistado.

Estás dividido em dois meridianos um deles é um deixar ir, uma sensação de não se saber, de não se pensar o sentido de isto tudo acontecer. A tua amante estava nua, um navio chegou para resgatar a sombra do corpo dela ao calor da praia. Tu tens os olhos abertos, o polícia gordo está completamente cego, pensamos que não irá cometer mais crimes, também não é por isso que vão acabar, nem as declarações de amor, nem o cheiro a suor que vai ficando nas salas de espera. Olhando mais de perto vem uma voz. Não são precisos olhos para matar, pode ainda usar as mãos. Que Deus criador use a sua misericórdia, que lhe dê a duplicar a cegueira aos olhos e ao pensamento. Mas isso não são os planos dele, a cegueira dos olhos e do pensamento coisa que nunca resolveu o problema das guerras e das doenças. É preciso uma justiça, um chão de pedras outro de folhas para amortecer. Seja o criador, sejam os desígnios da natureza que não se deixe em perdição o que pode ter a luz de volta.
A dona Alzira a mulher da fruta perguntava numa carta se sémen fazia bem aos olhos? A cenoura, sabia ela que fazia bem, agora que sémen fizesse bem aos olhos! Que fizesse bem à vida, que fosse o liquido fertilizante que faz nascer os reis e os plebeus, os amos e os escravos, os homens perfeitos e os pretéritos imperfeitos instalados nas suas cadeiras giratórias, nas suas bengalas, nas suas apagadas memórias. Ejaculam eles nos lábios de suas amantes e a mulher da fruta pergunta se costuma nevar no céu-da-boca? A directora da revista a propósito dos homens que ejaculam flocos de neve sobre o céu-da-boca responde num suspiro idiota que é possível que o concílio Vaticano segundo faça referencia ao assunto. A dona Alzira e os outros moradores da rua, principalmente aqueles que acreditam numa vida para alem desta, gostariam de saber que rumo seguiu a mulher encontrada morta com sémen nos olhos? Sabemos que ainda tinha aquele líquido nos olhos quando fez a troca de corpos. Desconhecia ela o aspecto que tinha no momento em que deixou o corpo físico, para onde ia não eram permitidos espelhos, registos fotográficos, nem qualquer outro tipo de gravação. A mulher não sabia que requisitos eram precisos para se apresentar! Ela tinha pratica a dactilografar, trabalhara em parti-me numa loja de perfumes, usava meias de vidro e uma minissaia que subia e descia consoante o pensamento de quem olhasse. Os alunos do professor João analisavam o parágrafo desta existência e para eles sémen nos olhos era uma figura de estilo, uma figura de estilo era a do polícia gordo a vaguear pelos quartos, a fazer subir a febre ao corpo. O polícia gordo ia ser enviado para um lugar que ainda não tinha nome, que ainda não era lugar nem existência.

Andamos no nosso passeio, olho dentro dos teus olhos, no vazio deles tenho a sensação que começa a aventura do mundo. Olho dentro dos olhos e parece que vou dentro das casas. Tu és esta incerteza! Depois entrelaço as minhas mãos nos dedos escondidos da rua. Vamos tentar uma fuga, temos de escapar a esta rotina, aos teus pés estendo a estrada, ainda esta tudo como antes, ou quase... voltou à rua a musica do velho António e o pregão do sem pernas o cauteleiro está mais rouco. Olho-te apetece-me outra liberdade, nós ainda continuamos pobres, de uma pobreza que nos mostra como é grande o coração. E nós abrimos os livros e eles são pérolas. Tu gostavas de um pouco de poesia. O realista olha e aponta o dedo como se apontasse uma incerteza. A poesia não paga as contas, não põe gasolina nos automóveis. E logo vem de dentro de mim um poder que eu não sei de onde vem. Olhe! A poesia deixa-me chorar, não quero toda esta matéria, o pó que toda esta aparência levanta. A riqueza deles é uma máscara, ela cai e não há nada que ver, não há rios, nem flores, nem bichos a rastejar. A riqueza deles é uma vida gasta, nós andamos descalços, ricos na nossa liberdade, eles caminham num sapato apertado, andam naquela limitação de um horário, do dever conjugal e dos filhos que embalamos para esquecermos toda a frustração. De Lobo Está um dia mais frio do que habitualmente, a gorda apelidada aqui na rua de serviços secretos espalhou que o inspector andava doente, parece que os médicos tinham diagnosticado um tumor. Alzira deixou cair uma lágrima, o maldito Garcia da novela mexicana é que devia ficar podre; Alzira tinha simpatia pelo inspector, ainda mais por ele ter elogiado a sua receita secreta de bacalhau. Deus criador não fazia ideia que um dia viesse á sua presença um inspector da judiciária. Não sabemos nós a religião dele, nem nada sobre a sua vida pessoal, sabemos que nasceu num País frio, que gostava de bacalhau e por gostar muito de bacalhau, um dia depois de muita eternidade pediu permissão para vestir o fato dos sabores descer á terra e visitar a mulher da fruta. Alzira desejava também ter um encontro com ele, uma vizinha dizia ter comprado uma antena receptora de espíritos coisa que ela podia encontrar na loja asiática. Antes da descida do inspector á terra deram-lhe um holograma formato bacalhau com batatas. O realista sobre este assunto disse que se tratava de uma farsa, não cabia na cabeça de ninguém essa teoria de por os mortos a comer bacalhau com batatas, ele desafiava qualquer um a provar o contrário. Como as mulheres tem o dom de levar o argumento dos homens á água do seu moinho, Deus o criador fez-se mulher e convidou o realista a sentar-se perante as câmaras de televisão e discutirem sobre o assunto. O realista não tomava atenção aos argumentos da dama, passou todo o tempo a olhar-lhe as pernas e acabou por ficar sem resposta. Tinha sido ludibriado por Deus na forma de uma bela mulher. Entre as três da manhã e as quatro da tarde deu-se o encontro entre o inspector e a mulher da fruta Está um lindo dia. - Vai chover. - É a vida – Bacalhau com batatas Era o meu prato preferido. - Quando comias o meu bacalhau com batatas, babavas-te todo Não ficava bem um espirito aparecer todo babado. - Queres provar um pouco A que horas vêm o teu marido. - O meu marido hoje não vem Achas que sou bonita? - Pareces uma maçã rosada. De repente Deus o criador resolveu desligar este momento, dera-lhe o holograma do bacalhau com batatas, não um CD-ROM de sexo virtual. Enquanto tudo isto se passava chegou á rua das lágrimas com chuva um estrangeiro. O realista e o alfaiate, a algibeira descosida não falando a língua dele metiam-lhe aos lábios o bom vinho de receber e o bom pão de fazer ficar e ainda o discurso: tu falas a tua língua, mas quando provas o nosso bagaço, a nossa comida, quando metes a paisagem na veia dos olhos, nós percebemos que tu não és de outro planeta, as tuas dúvidas são as nossas certezas. Faço agora um parênteses para evocar a memória do senhor inspector, não sendo eu católico mas acreditando piamente na virgem do azeite sugiro que encomendemos uma missa do terceiro dia em virtude do pouco dinheiro, pois esta vida de poeta dá para uns cigarros e para uns comprimidos para a bronquite. A algibeira descosida e o velho musica estavam de acordo em fazer aquela homenagem. O realista embora não fosse crente não se importava em fazer a festa. Acabado o discurso todos bateram palmas e o estrangeiro que não tinha percebido nada dizia que sim com a cabeça e até deu uma nota de dólar para ajudar á missa do terceiro dia.

Ainda é muito cedo para que te lances. Vais-te estatelar no chão das duvidas, tu nascida nesta rua, baptizada com o aroma da fruta, sabes que encostando o ouvido á terra se ouve o taxímetro do táxi destino. Não penses que é só levantar a mão e de um modo decidido e até um pouco arrogante, dizer simplesmente, leve-me ao céu! Tu sabes que aqui aconteceu um crime, disseram-te que foi um polícia gordo e tu fizeste não sei quantas dietas com receio de que te achassem parecida ao tal polícia gordo. Estás a ficar um pouco perturbada, o que te tem ajudado é o tempo que passas na gruta dos comboios à conversa com o rapaz negro. Aquela não é uma vida que se gasta. Tu olhas na direcção do céu, parece que estás a olhar um pensamento muito longe. A mulher com sémen nos olhos pensa que deveria ter-se tratado com um psicanalista antes de subir aos céus, ficar uns tempos no purgatório das seduções. O inspector inclinando sobre ela o seu olhar paternal, desvendou num sorriso aberto todos os crimes. Serias tu capaz de desvendar os crimes praticados em nome do amor, o amor que se trava corpo a corpo, tal uma guerra que é a conquista de um território e que no amor é uma luta do nosso corpo pela conquista do corpo do outro. Enquanto dissertamos sobre o amor e sobre a guerra a mulher que tem sémen nos olhos está a massajar os pés do criador, quando Pedro regressar da pesca é quase certo que as massagens lhe vão fazer bem aos ossos. Quando Pedro já se encontrava no céu, ocupando de novo as funções de guardador, ele e o inspector passavam as tardes a conversar sobre a descida do dólar e as mil maneiras de cozinhar bacalhau. Havia o bacalhau grelhado no inferno, o bacalhau protestante e uma receita francesa que a mulher com sémen nos olhos conhecia. A dada altura um anjo da legião dos espertos disse que o que mais apreciava no bacalhau eram as asas. Nesse dia o céu estremeceu de riso. De Lobo O poeta Alexandre resolveu falar com um padre, saber se era possível a missa do terceiro dia. O padre disse que a igreja de Deus não era uma barraca das farturas. O poeta Alexandre olhou-o com espanto e começou a desbobinar umas verdades, que o Vaticano andava cheio de ouro, que o papa andava a viajar e que ainda recebia um subsídio por cada milagre inventado, que a igreja católica é um negócio como fazer armas ou produzir droga, que as crianças passam fome e que Deus contrata criminosos para guardar o céu, não falando dos seus representantes, cambada de padrecos a sexuados que nem para rezar missa do terceiro dia são capazes. O padre disse que ia ver o que é que se podia fazer e que ele não era um padre como os outros e que se o criador tinha escolhido um polícia gordo não era assunto para ser questionado, ele devia ter as suas razões. O padre quis saber se o poeta Alexandre e os amigos sabiam o pai-nosso, o poeta Alexandre disse que cada um sabia do seu próprio pai e o padre disse que com o pai-nosso mais o IVA ficava coisa menos coisa, 250 euros. A missa do terceiro dia lá se realizou na gruta dos comboios. Passadas umas semanas, o padre que tinha feito a celebração, escreveu uma carta ao cardeal pedindo renúncia dos votos que tinha feito. O padre que agora era ervanário foi viver para uma aldeia atrás do sol-posto. Quando Pedro o pescador e guardador das portas do céu e possuidor da chave dos enigmas piorava dos ossos, Deus enviava á terra um dos seus, esse ser vestido com o holograma da pobreza franciscana, rogava por umas gotas de remédio para as dores dos ossos. Durante muitos anos o padre que não era padre mas um curandeiro que curava os males das pessoas e dos bichos recebeu numa manhã de chuva a visita de uma pobre que andava por aqueles sítios a guardar as cabras e que dizia que lhe tinha aparecido a nossa senhora dos azeites Que te disse ela? - Falou do pecado da gordura meu senhor E que pecado é esse? - Comer com as mãos engorduradas e conceber os filhos cheirando a gordura durante o acto Que idade tens? - 12 Anos Tu entendes-te as palavras da senhora? - Fiquei um pouco confusa, quando o meu irmão mais novo nasceu, o meu pai cheirava a óleo, será que o meu irmão tem no corpo o pecado da carne com gordura. No momento em que esta parte da história decorre tu estás no teu trabalho domestico, enquanto passas a ferro olhas-me a dormir, estou a dormir profundamente, sonho que a virgem dos azeites me aparece, ela mostra-me o policia gordo, agora está mais magro, trabalha agora numa taberna, continua a dizer indecências e a dar arrotos. Tu olhas os meus olhos a abrir. - Dormiste bem Sonhei coisas estranhas Coisas estranhas?! - Apareceu-me a virgem do azeite e um polícia gordo que no meu sonho era quem tinha cometido o crime ocorrido na rua à coisa de um mês. - O tal crime anda a dar a volta à cabeça das pessoas da rua e desde a morte do inspector que as coisas andam piores Coitado! Morrer assim… – Achas que vai aparecer outro investigador Não sei. Depois levantei-me fiz a barba e fui comprar fruta. A dona Alzira perguntou se eu tinha ido à missa do terceiro dia? Disse-lhe que tinha ficado em casa. Ela perguntou-me se eu acreditava em almas do outro mundo? Na verdade acredito em almas do outro mundo e de outras freguesias, acredito em tudo disse eu. Ela com a sesta da fruta misturada com a sesta das novidades, contou que a igreja tinha um padre novo, parece que vai ser a perdição das mulheres, o homem é bonito, muitas vão ficar no confessionário arranjando pecados a toda a hora. Eu despedi-me e segui para casa para preparar o pequeno-almoço. Tu já tinhas passado a roupa a ferro e agora estavas concentrada no romance policial cuja leitura tinhas interrompido. Na nossa rua tudo estava calmo, parece que também no céu nada acontecia de novo, a não ser o inspector pegar num lenço branco e limpar os olhos da mulher que tinha sémen neles Senhora, quero dizer... menina, gostava de lhe fazer uma pergunta, quando estive na terra andei a investigar, a tentar descobrir o autor do crime cometido contra si, infelizmente não consegui descobrir, se não é incomodo revelar-me uma pista. – Foi um policia gordo disse ela prontamente Sabe que cheguei a pensar que um tal Garcia podia ser o verdadeiro criminoso. Agradeço-lhe por ter dissipado esta dúvida da minha cabeça. Se me dá licença vou-me retirar. O inspector fez uma vénia e retirou-se em direcção aos seus aposentos. Instalado nos seus aposentos, acendeu o cachimbo e pôs-se a contemplar um carreiro de nuvens. Recordava os dias na terra, as pessoas que pareciam um carreiro de nuvens pesadas, acotovelando-se umas ás outras. O inspector de quando em quando deixava sair uma tosse seca, o criador na sua infinita compreensão embora muitos pensem que nas suas longas barbas esconde algo parecido ao código penal, aconselhava-o a reduzir o tabaco, a seguir chamou a mulher e pediu que lhe lê-se as notícias boas da terra, o que era um pouco difícil, a terra estava aumentada de guerras, de comida intragável e outros lixos que nem a reciclagem era capaz de resolver. Lobo 04 
Agora eu vou tentar
voltar aquele momento
dar de novo voz
ao meu silencio.

Agora eu vou fazer
uma nova cor
a esse olhar
apagar a dor
e dar á noite
outro luar.

Agora eu vou tentar
fazer feliz quem me quer
talvez cantar
ou talvez ler
histórias para adormecer

Agora eu vou tentar

Agora eu vou tentar
voltar aquele momento
dar de novo voz
ao meu silencio.

Agora eu vou fazer
uma nova cor
a esse olhar
apagar a dor
e dar á noite
outro luar.

Agora eu vou tentar
fazer feliz quem me quer
talvez cantar
ou talvez ler
histórias para adormecer



Lobo

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A máquina de costura

A máquina de costura
costura os lábios
que loucura ver os lábios costurados
de mal me queres.

A máquina de costura
costura os cabelos
Que loucura ver-te
deitada no gelo.

A máquina de costura
parece um discurso
costura, costura
o fato pró moço.

A máquina de costura
costura um costume
que loucura ver os lábios costurados
de ciume

lobo

Agora nada me está faltando

Agora nada me está faltando
e no fundo descubro

que o mais simples é acordar
olhar o outro e ficar sem falar
... que a natureza tem já o poder
de dizer essa força
tão sagrada no silencio da vida .

Agora não preciso
de acender a memoria
A madrugada tem um gesto
que levanta o pensamento
dos que esquecem a liberdade


Agora nada vale mais que o sonho de tentar
o céu azul e a terra abrindo os lábios

declarando o que a paisagem faz
com os viajantes.

Agora tu permaneces
depois estendes a mão
e de novo te aqueces com o calor
que tens nos olhos

lobo

Tango com cheiro de alecrim

Tango com cheiro de alecrim
Personagens: Madalena, Juan , A velha Alba, A velha Maria de Jesus, A velha rosário , A velha Júlia .


Madalena dirigindo-se a Juan .

Madalena - Sai de cima do telhado

Juan - mãe o céu cheira a alecrim

Madalena - Vêm para a mesa!

Juan desce do telhado e corre para ela.

Madalena - Mostra-me as mãos.

Juan mostra as mãos.

Madalena Estão sujas

Juan - É do fumo, sabes mãe os aviões cheiram ao alecrim.

De repente batem à porta.

Madalena - Vou ver quem é.

Madalena entre abrindo a porta.

Madalena - Querem entrar pergunta ela olhando as quatro velhas coladas umas á s outras.

Velha Alba - Não conseguimos acender o fogo.

Velha Rosário - Nem conseguimos mexer os dedos.

Velha Maria de Jesus - Nem nos conseguimos benzer, ficamos na parte em nome do pai e o braço fica preso.

Madalena - Fiquem perto do fogo.

A velha Alba apontando o olhar a Juan .

A velha Alba - Que fazias em cima do telhado?

Juan - Esperava.

Madalena - Ele imagina que em cima do telhado consegue ver o mar.

A velha Alba - E que esperas?!

Juan - O regresso do meu pai.

A velha Júlia - Podes cair.

Madalena - Ele tem a agilidade de um pirata.

Juan - Mãe os piratas cheiram ao alecrim?

A velha Maria de jesus - Essas criaturas cheiram ao fogo do inferno.

Juan - Estas velhas são tão tristes!...

Madalena - É o medo.

Juan - Por causa do medo ficamos tristes?

A velha Alba - Madalena h há quanto tempo o teu homem anda no mar?

Madalena - H á muito tempo.

A velha Alba - E desde então algum homem te cheirou.

Madalena - Por aqui cheira a agoiro.

A velha Júlia - Rezar em latim afasta o agoiro.

Madalena - O agoiro são vocês.

A velha Maria do Rosário - Nós?!

Madalena - Saiam!

As velhas vão saindo coladas umas á s outras.

fim do primeiro acto.



Mãe e filho frente a frente.

Juan - Mãe e se eu fosse um pássaro

Madalena - Que fazias se fosses um pássaro?!

Juan - Sobrevoava o mar de uma grande cidade.

Madalena - Que pássaro gostavas de ser?

Juan - Que pássaro achas que eu poderia ser?

Madalena - Uma garça.

Juan - Gosto de dançar, quando estou no telhado imagino que sou aquele bailarino russo e que dou saltos no ar. O bailarino russo é um pássaro

Madalena - Quem é esse bailarino russo?

Juan - É um voador, olhe esta fotografia.

Madalena - É muito magro .

Juan - Se eu treinasse talvez conseguisse voar.

Madalena - Andas pensativo!

Juan - Penso no pai

Madalena - Vai voltar

Juan - Quando?!

Madalena - Quando apanhar peixe suficiente.

Juan - Vai tirar peixe da barriga do mar?

Madalena - É isso.

Houvesse o sino da igreja.

Madalena - Agora o vento está á mais forte.

Juan - O vento é quem guia os olhos dos apaixonados.

Madalena - Vou espreitar pela janela.

Juan - A velha Maria de Jesus dirige-se para aqui, está á a benzer-se, agora parou. É louca.

Madalena - Agora está á a ajoelhar-se .

Juan - Estão cães á volta dela.

Madalena - Os cães vão aquecê-la.

Juan - Ou comê-la

Madalena - Vai l á fora e trá-la para dentro.

Juan arrasta a velha Maria de Jesus.

Madalena - Devagar podes quebrar-lhe algum osso.

Maria de Jesus - Venho em missão.

Juan - Mãe a velha está á louca!

Maria de Jesus - Tens o diabo no corpo.

Juan - Conheço a formula para afastar velhas beatas; é a formula do sacudir dos pés.

Madalena - Que missão é essa?

Maria de Jesus - Limpar os maus espíritos.

Madalena - Onde estão os maus espíritos?

Maria de Jesus - Nas tabernas.

Madalena - Isto aqui não é  nenhuma taberna.

Juan - Ninguém anda a misturar enxofre no vinho.

Maria de Jesus - Vamos cantar em latim para afastar o mal.

Madalena - Cantem em vossa casa!

Maria de Jesus - A nossa casa é fria como a morte.

Juan - Vou subir ao telhado.

Madalena - Que fazemos com estas loucas?!

Juan - É um pesadelo difícil de descrever.

Maria de Jesus - A mana Alba j á tem noventa anos.

Madalena - Que faça bom proveito.

Maria de Jesus - A pobre não consegue andar.

Madalena - Mas consegue mexer a língua.

Juan - E os cotovelos.

Madalena - Queremos ficar em paz.

Maria de Jesus - Escutem o doce cântico!

Juan - A cantar desse modo afastam qualquer santo do bom caminho.




                                                                                  3


Deitada perto da lareira está á a velha Maria de Jesus.


Madalena - Está á a dormir


Juan - Parece tranquila.


Madalena - Escuta...


Juan - O apito de um navio.


Madalena - É um navio de mercadorias.


Juan - Que coisas trás?


Madalena - Que imaginas que possa trazer?!


Juan - A canção do regresso.


A velha Maria de Jesus começa a acordar.


Maria de Jesus - Olho as rugas das minhas mãos e lembro aquele tempo de nova, eu tinha aquele desejo de partir os vidros das janelas, de quebrar as fechaduras das portas...


Madalena - Desejava liberdade.


Maria de Jesus - Apaixonar-me como o rouxinol se apaixona pela canção dos homens.


Madalena - É um pensamento bonito.


Juan - Você era namoradeira!


Maria de Jesus - O nosso pai, o velho general não gostava de liberdades.


Juan - O amor é uma liberdade responsável.


Madalena - O meu filho é um filosofo.

Juan - São pássaros que sobem ao meu pensamento

Maria de Jesus - Agora parece que é tarde.

Madalena - Porquê?

Maria de Jesus - Estou confusa, apetece-me pecar.

Madalena - O pecado cheira ao alecrim.

Juan - Mãe os olhos dela são escuros.

Madalena - Ela tem uns olhos bonitos.

Maria de Jesus - Há muitos anos eu vi Deus no corpo de um homem, chamava-se Afonso.

Juan - Há um rei que se chama assim.

Maria de Jesus - Ele era guarda águas e eu uma guardadora de silêncios.

Madalena - Você nunca se declarou?

Maria de Jesus- Tinha medo do meu pai.

Madalena - E que lhe aconteceu a ele ao Afonso?!

Maria de Jesus - Apanhou uma febre

Juan - Mãe existe a febre do alecrim?

Madalena - Achas que apanhou a febre do alecrim?!

Juan - Vou sair.

Madalena - Veste um casaco.

Juan - Vou na biblioteca, tem lá um livro daquele bailarino russo.

Madalena - Não voltes tarde.

Maria de Jesus - Já não tenho frio

Madalena - Agora está menos.

Maria de Jesus volta a olhar as mãos e termina a terceira parte.

                                                                    4ª parte


Houvesse o barulho de cães a ladrar.

Madalena - Parecem esfomeados.

Maria de Jesus - Antes eu fazia as minhas orações como um animal esfomeado, tinha fome de virtude e de castidade, mas era um engano.

Madalena - Parece que os cães acalmaram.

Maria de Jesus - Quanto mais perto estamos da morte mais faz sentido a revelação da verdade.

Madalena - Em que parte do mundo anda a morte, nunca a descobri nos livros de geografia.

Entra a musica de Astor Piazola.

Madalena - Gostaria de vestir o meu vestido mais colorido.

Entra Raul o homem de Madalena, ele é uma representação da sua imaginação.

Raul - Convidei estes músicos.

Madalena - Estou nervosa.

Raul - Seguro nas tuas mãos e são os meus olhos que te guiam.

Madalena - Porque demoras-te tanto tempo?

Raul - Agarra as minhas mãos!

Madalena - Estão quentes como eram na primeira noite.

Enquanto dançam os músicos comemoram com champanhe.

Raul - Com o nosso melhor vinho havemos de regar o nosso melhor peixe.


Madalena - Pareces um cavaleiro andante!




Madalena desperta do seu sonho.


Maria de Jesus - Mulher estavas a falar sozinha?!


Madalena - É para o fogo não se apagar.


Ouvem-se passos


Madalena - É o meu filho, quando escuto os seus passos parecem os passos do pai.


Maria de Jesus - Já lhe contas-te?


Madalena - Que coisa?!


Maria de Jesus - Que o pai dele já não volta.


Madalena Depois do naufrágio nunca encontraram o corpo.


Maria de Jesus - Ele será sempre encontrado nos teus desejos.


Madalena - Venha sentar-se perto de mim.


Madalena abre uma garrafa de vinho.


Maria de Jesus - Não contes ás minhas irmãs


Madalena - Beba!


Maria de Jesus - É doce


Madalena - E é forte


Juan entra e apoia as mãos no ombro da mãe.


Juan - trouxe aquele livro do bailarino russo.


Madalena - Vem para perto da luz.


Juan vai-se aproximando, á medida que se aproxima a luz vai diminuindo e fica escuro.


                                                                         fim
Lobo

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Maria puta de Lisboa

Estou a pensar que significa voltar a ver-te.
Sempre te encontro quando chove e o fumo do
café se parece a um génio. Apetece-me chorar e
não sei porque o faço. São-me indiferentes as
gotas de limão que usas ou o golpe que fazes
nas veias para que me comova da tua solidão.
Agora eu finjo todas as formas de teatro me
foram úteis para ficar nas ruas, onde me vendia.
A minha família desejava que a minha vida fosse
tão imaculada como um cu virgem. Estou a pensar
que tu não podias ficar, a mentira faz mexer os pés.
Os livros mentem, as obras de arte também e eu,
levanto o tampo da sanita e cago esta presunção
de festas com champanhe e os prémios dos escritores
importantes.
Estou a pensar que todos os dias vejo Deus
e eu pergunto-lhe como se lhe perguntasse
as horas, se ele gosta das putas, se ele ama
as putas acima de todas as coisas. Estou aqui
embrulhada em histórias fingidas, pensei consultar
um psicólogo, eu Maria, natural de Bragança, violência
no corpo e na memória, não tenho filhos, não tenho
homem e aqui estou a contar esta minha odisseia a que
dei o nome: mulher com sémen nos olhos.
Acabei de chegar á capital, na terra de onde
venho o trabalho é pouco e o senhor Januário
prometeu-me um lugar de corista no teatro; para ele,
eu era um talento de corpinho feito, ele dava ares
de muitos conhecimentos, conhecia ministros jogadores
de futebol e, passado quase um ano, divido um velho
quarto com um travesti , a Rosário que é sero positiva
e dá á força toda no cavalo.
Atirada á rua ganho a vida a fazer broches dentro de
ferraris e outros carros de marca, ás terças feiras
canto o fado vadio numa taberna, o senhor Januário, o
chulo, dizia que eu havia de ser o orgulho de minha mãe.
Na taberna onde canto o tal de fado vadio conheci um
poetas que quer escrever para mim, ele é um velho doce.
Eu não sei o que ele escreve, mas se o que ele escreve
for o sorriso dele vou gostar do que escreve. Na estante
do meu quarto tenho alguns livros. Só não gosto de livros
católicos, as igrejas só servem para dormir; quando olho
a virgem que tem o meu nome e vejo as pessoas a darem-lhe
moedas, digo-lhe que na rua ganhava mais e que o pecado é
uma treta, basta fechar os olhos e tudo se
converte em virtude.
Pego na mala e apanho um táxi, estou no ano de 89,
da janela do táxi vejo uma carrinha da policia com
putas lá dentro. Muitas vezes me encontrei na mesma
situação, sentia-me uma vaca dentro de uma camioneta;
sinto os pés doridos, peço para parar uns minutos
numa farmácia, o empregado parece um alfaiate a
tirar-me as medidas.

- Que quer?
- Tenho os pés doridos.
- Aqui tem.
- quanto é?
- 250 escudos.
Depois volto para o táxi e, passados uns minutos estou
em casa. O prédio é velho e cheira a mijo de rato.
A entrada não tem luz, por isso subo as escadas com
cuidado, acendo o isqueiro e vejo restos de seringas
espalhadas. Rosário está na casa de banho a cortar o
cabelo, ouve-se uma música flamenga, a voz de Camaron
da ilha.
- Há café...- grita-me ela
- vou para a cama.
- estás bem?!
- sim e tu?
Fiz dinheiro para a dose e para os cigarros.
- Amanhã é dia de pagar a renda.
- Eu sei, antes de sair deixo a minha parte debaixo
da porta do quarto.
- Está bem, até amanha.

Rosário costuma ir ao domingo ao cemitério, diz que
ai pode tomar chá com a alma da sua avó.
- Ó Rosário, as almas não bebem chá.
- Se cheiram incenso porque não podem beber chá?
- Não se pode fazer nada com os mortos.
- Só morre aquilo de que não se gosta...
- E que coisas morreram para ti?
- sei lá eu!
- bem vamos abrir uma garrafa.
- vamos beber o sangue das nossas vidas.
- á saúde
- á saúde.

Rosário, por causa da sua doença se encontrar nas
últimas teve de ser internada.
Eu mudei de casa, uma assistente social arranjou-me
um trabalho de recepcionista na santa
casa da misericórdia. Agora moro numa casa com
quintal, moro eu e o meu gato. Ontem recebi uma carta
da minha mãe. Como pensa que eu trabalho no teatro,
pede que lhe envie entradas para ir ver a revista,
eu escrevo que vou viajar, que vou em tournée, mas
prometo-lhe que quando regressar lhe ofereço as
entradas. Ofereço-lhe também um estojo de beleza.
Na última carta contava-me que o meu pai lhe batia,
não conseguia parar de beber.
O pai de rosário também batia na mãe e, quando esta
era pequena, por diversas vezes a tinha violado. Faz
uma semana que ela morreu. Agora imagino que está a
beber chá com a alma da sua avó. Ontem, enquanto
escutava a música do amolador vinha-me ao pensamento
que a morte tem a música da chuva. Pensar isto não
aquece o coração, se ela agora aqui estivesse
tentaríamos recomeçar. Ou talvez seja uma desculpa
para se fugir áquilo que tinha de ser vivido.

Rosário tu nunca amaste ninguém, mas também nunca
foste amada por ninguém ou não houve tempo para que
descobrisses as coisas que demoram tempo. Penso
ter-te conhecido bem, mas, nao estive na tua pele,
as nossa dores são coisas muito nossas e não existem
medidores capazes. Podia escrever-te uma carta, mas
não há o correio das almas. Tenho o gato sobre o meu
colo, limpo uma pequena lágrima ao seu pêlo e fico
quieta, como se eu fosse ele e o mundo tivesse parado.
A nossa vida é um muro branco que apetece sujar ou
simplesmente tornar o seu aspecto uma coisa mais
autêntica do que era antes; podemos imaginar um homem
de fato branco, um tipo como o senhor Januário que está
podre e parece casto nas finas maneiras de se insinuar
no primeiro encontro, ele está filiado num partido de
direita, tudo o que foi construído ilegal, toda a sua
riqueza pessoal se fez na angariação de mulheres e no
tráfico de droga.
Agora veio a lume o seu envolvimento no lado escuro do
futebol. O senhor Januário terá sempre a protecção dos
seus padrinhos, a familía politica não o vai deixar cair
em desgraça. Ninguém está limpo. Eu tento recomeçar,
não é sempre por motivos pesados que vamos parar aquilo
que outros adjectivam de pior. O pior pode ser a moral,
a religião, o pior pode ser não se conhecer o lado escuro
e levar-se com luz demasiado forte nos olhos. Agora me
lembrei que são poucos ou nenhuns os retratos de infância,
parece que o vento leva a infância como leva os papéis do
chão, parece que leva as roupas do corpo, o gato parece
que me percebe. Ele é o meu homem, o meu amor verdadeiro,
imagino que espalha a cinza da lareira sobre os meus
cabelos, parece um ritual ortodoxo, finjo que sou a
Madalena apedrejada nos prédios e nos centros comerciais
e que ele é um cristo ágil, se escapando para os telhados,
perdoando aos homens que caem na tentação de representarem
demasiado bem o amor. O meu trabalho decorre normal, costumo
encontrar por perto o velho poeta, costumamos conversar um
pouco, as nossas conversas são o assunto dele que é a poesia.
Fala-me do Luis Pacheco que é um poeta surrealista que anda
a comer dos caixotes do lixo e que é o poeta mais puta de
lisboa, ele e o cesariny são todos a melhor puta de poesia.
Conto-lhe que ás vezes escrevo, o meu sonho era o teatro
e ele elogia-me a voz, que tenho uma garganta de água tão
cristalina como a garganta do sol. Eu desato a rir e bebo
o meu café. Olho a rua e lembro-me que tenho de passar pela
mercearia da Rosa e comprar comida para o gato.
O velho poeta olha-me e toca-me as mãos e parece que
acrecenta vida, vida verdadeira aos anos que julgava ter
perdido, tenho umas rugas mas sinto-me bonita, quando
recordo certas passagens penso que foi um comboio rápido
que passou e a memória parece uma árvore que caminha e
depois desaparece. Não sei se tu acreditas no amor, é
preciso não recusar a entrada do sol. a minha mãe parece
a figura em forma de escuridão. Não é capaz de uma lágrima,
não sabe fazer um sorriso verdadeiro, podia convidá-la a
passar aqui uns dias, mas estar com ela ainda vai representar
muita tralha de vida que não gostaria de voltar a confrontar,
não queria velhos ódios. Quando me resolver, vou visitá-la ou
envio-lhe dinheiro. Seja como for, nao queria insistir na
tentativa de me sentar á mesa fingindo a Madalena bem comportada
da sagrada familia. A ideia de ter contas a ajustar foi há muito.
O amor nao se fabrica, isto não o posso dizer á minha mãe, parece
que estar aqui, ter familia , enfim faça-se o que se fizer
tenha-se o que se tiver é da nossa responsabilidade. podia
dizer que cada um tem de pagar as suas contas, mas a indiferença
é uma conta elevada, fingir que os outros não existem, que as
nossas questões são só nossas torna mais agudas as nossas dores,
vou tentar não magoar a minha mãe, tentar não representar
demasiado bem. vou preparar uma comida rápida e vou sair onde
há uma feira do livro, vou caminhar um pouco a pé. Outro dia
passei por um padre, depois ele entrou no elevador e eu disse
para mim que era só carregar no botão e estava no céu, ele tinha
um ar bastante conservador, se calhar pensa que os elevadores
são obra do diabo. Eu estava com vontade de me despir á frente
dele, de o provocar. A tentação também está num elevador, o
padre parece que tem trinta anos, é magro de cara, uma cara
de palerma, se eu fosse o cristo havia de cair da cruz de tanto
rir. Agora vou arrumar um pouco a casa, é mais dificil arrumar
a vida, fiz um arranha céu de loiça, tantos os dias que fiquei
sem vontade de arrumar ou lavar, a vantagem de viver sozinha ou
a desvantagem.
Quero contar-vos que o poeta me tem feito propostas de casamento,
não de um modo directo mas dá a entender. Eu já tive muitos
homens e ás vezes não sei se há muita diferença entre ser-se
puta ou ser-se domAstica, parece que somos todos grandes putas.
Até tu digo eu ao meu gato. Se eu escrevesse um livro, podia
ser sobre a prostituição no reino animal. Vou, pois, arrumar a
casa. Depois ponho-me a dormir, o gato costuma adormecer comigo,
imagino ele a ter os meus sonhos e eu os dele... eu a ter os
sonhos dele vou andar a cheirar a peixe e ele vai cheirar a puta,
um gato a cheirar a puta.
Ainda estou a pensar no velho poeta, vou encontrar-me com
ele e se ele falar, embora disfarçadamente, em casamento vai
ficar a saber que sofro de uma doença incurável que faz os
homens infelizes. Ainda tenho uma alma de puta, não é pelo
dinheiro dos homens, é pelos segredos deles. Na cama
apanham-se muitos segredos de estado. O casamento é uma regra
e eu quero dar-me selvagem, perceber a mentira e a ilusão dos
homens. Sei que exagero em relação ao homens, sei que, quando
nós mulheres nos demoramos com eles, quando permitimos que
saia de dentro deles aquele orgulho de nos conquistarem como
quem conquista o mundo, acho que as mulheres são conquistadas
pela solidão deles. Lembro-me de um cliente meu que pagava
para falar da mulher e dos seus dois filhos, dizia que amava
tanto a mulher que não a conseguia tocar, fizera com ela amor
apenas duas vezes, depois pagava pela conversa e pelo sexo.
Outro dia vi-o de longe, estava com a mulher e os filhos, as
crianças eram bonitas, penso que eram felizes, naquele dia
fazia muito sol, ouvi-as gritar e parece que aquela vida se
misturava no brilho do sol, era o sol a gritar com a vida, a
pedir mais uns sorrisos, mais uma réstia de vontade. Olho á
minha volta, parece que o rio afunda o passado, parece que
me apetece uma sinfonia e uma profunda tristeza é o vicio
dos dias. Faz meses que a Rosário morreu, de seu verdadeiro
nome Alberto, ainda tenho na minha mala de mão, além do
verniz e do baton, uma fotografia dela. Sei que quando a
mesma foi tirada tinha 14 anos, está vestido com uma saia
escocesa e parece que tem na expressão dos olhos vontade de
dançar; quando era criança andou a aprender ballet com uma
professora russa, como a família não tinha muitos recursos,
uma senhora pagava-lhe as aulas, passados uns dias a
senhora foi atropelada e o ballet ficou esmagado nas rodas
de um carro. Quero eu dizer, atropelou-se uma grande
oportunidade ou quem sabe a sua vida não seria o que tinha
de ser.
Rosário tu eras uma pobre e já te imagino a dançares em
pontas com o desequilíbrio do mundo. Agora, raras vezes
encontro o velho poeta, ás vezes está sentado nas escadas
da Basílica da Estrela, anda sempre com um caderno, já
tentei ler a sua letra, parece caligrafia de médico,
disse-me que esteve para estudar medicina, pensou ser médico
dos olhos, confidenciou-me que gosta de olhos azuis, que
gostava de ser o médico do mar e de tratar os olhos azuis do
mar quando lhe aparecesse a doença da tempestade. Eu fico a
olhá-lo, parece que os poetas são pessoas difíceis, as
palavras não são simples como as raízes que ficam na terra
e dão sem explicação flores á disposição dos nossos olhos.
Despeço-me dele e apanho o eléctrico, vou descendo a rua e
reparo no fumo que sai de uma chaminé, parece a fábrica das
nuvens, se calhar vai chover, depois fecho os olhos e
adormeço um instante.
A cidade move-se em mim, tão intima e indiferente, como as
palavras fora dos livros e das pessoas. O poeta acena-me.
O acenar das suas mãos ondulam como asas e eu dou uma
gargalhada e o mundo interior ri. E desato a chorar. Era
como se tudo aquilo que tentasse reconstruir desabasse,
acho que não quero reconstruir coisa nenhuma, acho que
não quero voltar ao começo, sempre que me apaixono, sempre
que penso em alguém, sempre que fecho os olhos vejo mais
nitido dentro de mim e, ao mesmo tempo, não percebo nada.
Escrevo-te esta carta, na verdade ainda é um rascunho, o
cesto dos papéis tem outras, parece que são bocados de
vidas rasgadas, rasgadas mas não apagadas, a memória é
uma doença que não se cura. Ontem lembrei-me daquela
tarde de Maio em que tentei o suicídio, lembro-me de
ouvir a Rosário contar que me fez beber azeite e que
depois até parecia que tinha vomitado a criação, devo
ter expulsado muitos demónios. O velho poeta quando lhe
contei esta passagem da minha vida diz que a morte faz
subir a febre á vida, eu penso que morrer é uma fuga,
pelo menos aquela encenada pelas nossa vontade. Sei que
não tenho respostas, sei que do outro lado não existem
segredos desvendados.
Filosofias á parte, é dentro de ti e de mim para o mal
e para o bem. Eu Maria, nascida em Bragança, te dedico
estas palavras e um dia se nos encontrarmos, vamos
lembrar ou vamos esquecer ou, fazer o que for melhor
para que o chão não nos puxe os pés.

lobo 05

Escrevo uma carta

Escrevo uma carta, uma longa carta com destino a um qualquer que me espere. É uma carta que o cão levará á profunda raiva dos homens. Escrevo pois uma carta do modo como se conta uma história, como se faz de um pequeno momento um grande mistério. Escrevo uma carta, uma longa carta como um abraço assim as palavras entrelaçadas no papel. Escrevo uma carta, uma longa carta para aquele marinheiro que leva o seu barco na ondulação dos versos. Nesta longa carta as lágrimas são como reticencias o caminho em aberto para a liberdade...
 
Lobo

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Um certo tempo do amor

 

Com o gume da faca cortaremos os pulsos á corrente sanguinea do sujo rio. Abreviaremoso tempo doloroso das fábricas e dos campos. Os olhares dos dias incertos. E de novo o tempo doloroso de quem espera. Cortaremos os pulsos no modo sagrado e sujo dos antigos.
Abreviaremos o tempo doloroso desta incerteza dos dias de não se saber o rumo do vento ou da água, de não encontrar os olhos para a visão brutal de um certo tempo do amor.
lobo 05

A cidade

A cidade está no espaço do teu corpo, a cidade tem os teus limites, tem a tua liberdade, a cidade bebe da tua boca, vomita dos teus intestinos. A cidade é a tua viagem, o folhear do teu livro, dos teus lábios sobre a aspera página dos livros, dos cadernos, das pequenas mortalhas dos cigarros,
A cidade está á tua espera, vive a ansiedade da tua partida, sofre o pesadelo de não saber, de não ter ce...rteza de qual o teu momento, tu podes morrer antes de qualquer decisão, uma espada pode trespassar aquela palavra por pronunciar e tu vais ficar deitada como a água deitada na terra a sentir os passos dos soldados que marcham, dos burucratas nos escritórios, dos guardas nas prisões, dos amantes a queimar o tempo e os cigarros e a angustia da cidade volta ao estomago e na estante o dicionário da lingua portuguesa e no bolso das tuas calças imagina uma nuvem dentro de um envelope. A cidade está no espaço do teu corpo,, dentro da tua garganta, no teu aperrtado sexo, a cidade está a sufocar, a cidade são duas mãos a tocar os frutos, a tocar o ar, tu segues essa estrada, fazes uma luta para conseguir o melhor sitio, cortas a melhor carne, fazes a cama com os cobertores mais quentes e a cidade fica de cocoras no tapete ouvindo a musica que tens na puta da cabeça

O poeta tinha aquele sorriso

O poeta tinha aquele sorriso
também aquele que não é poeta
trazia uma canção nas mãos molhadas
e as mãos dele eram humidas
como as flores e por serem humidas
... e por serem vivas como o fogo
que há dentro dele
eu posso afirmar com toda a
convicção que também ele é poeta
e como poeta ele tem o mar todo
dentro dele e tem a sede própria
de quem se entrega sem estar subjugado
ás palavras. O poeta tinha aquele sorriso
e se o poeta não sorria
o céu limpo era esse sorriso
e ele era o pequeno deus
inocente e ignorante como costuma
acontecer com os que ficam em silencio
amando do mesmo modo
os homens e a terra.
 
Lobo

Na praça de Maio

Na praça de Maio
anda o velho a fotografar
as asas dos pássaros
pesadas de fome.
Esse velho jovem na revolução
... folhas de papel dobradas na gabardina
aquele manifesto sobre a ausência dos sonhos
e das utopias e das alegrias nas noticias dos jornais.
Na praça de Maio
anda o velho a fotografar
com esse seu ar marginal
os olhos magros das crianças
procurando o sentido desta geração
sem um ritmo, sem um poema
sem uma forma no peito
para acender um fogo.
Na praça de Maio
anda o velho a fotografar
a noite engolida como uma bebida acida.
Os olhos magros das crianças
procurando o sentido desta geração
sem um ritmo, sem um poema
sem uma forma no peito
para acender o fogo.

Lobo

 

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Há quem se deite á sorte


Há quem olhe para o vazio
como quem espera pla morte
há quem se deite á sorte
como quem se atira ao rio
não saiba onde é o norte
tenha a vida por um fio.



Há quem fique atordoado
parece que veio do nada
e fica no lado errado
como quem acorda
e erra a madrugada.


Há quem se deite á sorte
como quem se atira ao mundo
e há quem se julgue forte
e queira mudar de assunto
há quem vista de branco.
mas por dentro veste luto.

Há quem olhe para o vazio
como quem espera ilusão
como quem se atira ao rio
como um cão
que é destemido
como quem acorda pronto
e no desenho do espelho
vê o seu corpo ferido.
Há quem se deite á sorte...

Lobo

O eléctrico da sé


O eléctrico da sé
passou ao lado do turista
que fotografava com ar idiota
aquele monumento
tão velho e cinzento
de uma nação
que vive á quinhentos
a estender a mão.





O eléctrico da sé
passou mesmo ao lado
de uma lesma funcionária
e o guia anunciava
apontando o ministério
aqui a casa mortuária
onde só os mortos são pessoas sérias.
 O eléctrico da sé
passou ao lado do cão
que gania uns fados
e mordia este farrapo
esta nação
verde e vermelha
de heróis e aselhas
salvo raras excepções.

Lobo
 

A cidade é o meu vazio.

A cidade é o meu vazio. No ringue os meus olhos lutam. A cidade é o meu conflito.
Espero o comboio, o destino de qualquer coisa inútil.
A morte é uma inutilidade necessária. A cidade é o meu vazio. Os meus olhos lutam, a luta não serve a eternidade. A morte nem sequer se pode comparar ao silêncio.
É mais frio o silêncio dos vivos. A cidade é o eu vazio e a cidade enche gota a gota de álcool o meu cérebro.
O sentido da morte são os vícios da vida.

Lobo

Amor eterno

Quando ela me fala
de amor eterno
eu fico sereno
e nem sei que responder
ate parece que ela botou veneno
e com essa coisa de amor eterno
eu ate posso morrer.

Quando ela fala de amor eterno
eu desconfio e até fico apreensivo, 
essa coisa de amor eterno
é coisa que vem em livro
é história de fantasia.

Mas se ela me falta
vai me faltar alegria
que venha a eternidade de volta
que volte a fantasia
 
Lobo

O medo

O medo não vai comer a liberdade
não vai deixar amantes na tua cama
ele não vai cortar o teu pão
nem trocar a tua fotografia.
É pouco provável que o medo tenha um orgasmo
o medo não vai por amantes
o medo não vai por agentes secretos na tua cama
nem testemunhas de Jeová.
O medo não vai despir-te o casaco
quando chegares do escritório
No jornal das nove não perca
a grande entrevista
o medo em directo



Lobo

Alice ainda está a dormir



Alice ainda está a dormir. Há um livro caído no chão onde está situada a farmácia de serviço, os livros na adolescência tem o mesmo efeito das rodelas psicadélicas, Gostava das rodelas de formato laranja, uma vez deixei cair uma dessas rodelas nas escadas do prédio velho onde vivo, depois o rato que anda pela estante dos livros velhos comeu a tal rodela, há quem se pense Napoleão ou S Francisco de Assis. O rato da estante julgavas se queijo parmesão, entretanto Alice ainda está a dormir, ao lado há um pequeno mapa dobrado, há manchas de vómito na península ibérica. Alice está do outro lado, se fosse possível ler-lhe o pensamento, pensaria ela num velho teatro vitoriano a comportar-se como uma rapariga de casa de alterne que lança o soutien na direcção dos projectores
Na farmácia de serviço há um velho a tocar gaita de beiços, tenho o som do rio em mim, por causa da minha crónica timidez é o rio que faz a declaração de amor á pequena Alice. O rio fica calmo, não quer acordar a criança, essa criança casta e apetitosa de vícios escondidos a despertar a poesia nos homens que tem a alma "suja" ou simplesmente as fantasias convertidas em culpa, o nosso Senhor Jesus Cristo deu o corpo ao manifesto pelas nossas fantasias, Alice parece uma Madalena, pego num pequeno estojo de cosmética e pinto-lhe os lábios, o roxo fica-lhe bem. Todas as mulheres são belas a dormir, tiro do maço um cigarro, com o fumo desenho peixes e vultos eróticos, parece que aquelas formas saiem dos olhos fechados de Alice, toco o seu corpo e sinto que nele se inventa uma nova maresia, debaixo da porta do quarto há um envelope, dentro metade de uma fita métrica, o chapeleiro louco mudou de emprego, agora é o alfaiate paranóico, as suas roupas cheiram a pão bolorento, o inverno demora a passar e Alice ainda dorme, o ritmo do seu coração é a marcha dos soldados da rainha das lingeries triumph, vou preparar um chá de ervas, o vapor do chá como o da chaminé dos barcos que navegam nos olhos, nunca disse a ninguém que pela casa anda um travesti fantasma, também se chama Alice, gosta de comer bolachas ou costuma com as bolachas fazer o lançamento do disco. Em breve realizasse o campeonato de futebol dos vultos com pé de atleta, não sei se Alice gosta de futebol, não sei quando vai acordar, sei que o alfaiate paranóico vai desenhar o equipamento dos vultos do futebol que jogam nas paredes, já vi um jogo nas paredes de um WC, o publico a pegar em frases como quem pega em tomates e a lançar na cara dos tais vultos. ( liga-me no intervalo) o teu corpinho sabe bem, sabe a peixe no forno e a flores nos cornos dos touros, os cornos dos touros lembram a selvagem poesia Espanhola. Alice nunca leu Lorca, talvez o encontre nas viagens do seu dormir. Entretanto saio, vou jogar bilhar, as andorinhas inspiram-me, gostava de imaginar uma pergunta para Alice: - Quando acordares que vestido vais escolher? Sabes que o alfaiate paranóico vive num guarda vestidos, é um t2, uma renda antiga dessas que ainda se praticam em Lisboa, o alfaiate paranóico agora deu-lhe para rezar o terço, no bolso de um casaco velho há uma folha rasgada a meio, é uma receita com a fórmula do queijo parmesão, com os fios do queijo parmesão ele fez umas calças para o conde da braguilha aberta um personagem asqueroso, muito estimado pelos cães e presidentes de câmara ou até candidatos ás eleições para o parlamento, Alice ainda não mexe uma pálpebra. Alguém sabe porque está a dormir tanto tempo?! se eu telefonar para a brigada dos ratos da desintoxicação, espero que não seja tarde de mais, são dez horas da noite, na cozinha da casa de Alice a chaleira do chá está a ferver, finalmente Alice começa a acordar, as suas primeiras palavras são: - Traz-me um espelho, quero embaciar o espelho, lábios desenhados, uns lábios que parecem carnudos como saídos da boca da loira Marlene a velha actriz que vivia com um cineasta alemão, Alice afina a voz, está a preparar-se para ir á ópera, Pavaroti usa uma gravata feita com fios feitos de queijo parmesão, os sapatos de Alice cheiram aquele odor, o chule fonte de inspiração surrealista, o pequeno almoço do conde da braguilha aberta são meias descosidas, estendal do prédio uma colecção de meias sintéticas, o conde tem vagas noções de nutrição... Alice parece que anda num mundo paralelo, enquanto ela andou a vaguear a mãe dela tentou ligar-lhe várias vezes, ligou para uma clínica privada e foi disfarçada de sem abrigo ao casal ventoso saber se a sua Alice estava a consumir? Alice estava no seu quarto secreto, foi levada da via latina até ao velho quarto por um velho xamã, quando não era um velho xamã era um carteiro, uma pessoa igual a todas as outras e por outro lado um super dotado da mentira, Alice por ele quebrava todos os vidros, a maior mentira dele foi a maior verdade que flutua em muitos lábios, ela ser o amor da sua vida, mas a mentira dele pareceu soar como a voz da rainha de copas - cortem-lhe a cabeça! Alice olha uma revista cor-de-rosa, se ainda estivesse naquele seu sono profundo pediria ela ao alfaiate paranóico que lhe fizesse um daqueles vestidos o mais transparente possível, por favor Alice, a transparência é útil, mas é uma coisa exagerada, sabes como é, sabe sempre ao mesmo, é fútil a ilusão das actrizes de folhetim, descascar cenouras com o coelho de Março seria muito melhor. O xamã o super dotado da mentira que dava de dez a zero ao Belzebu das tretas

 Lobo

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Quando eu fico como um gato

Quando eu fico como um gato
arranhando a porta
suplicando para entrar
no conforto dessa tua burguesia.

Mas nem a lua escuta minha prosa
e são as suas unhas de rosa que me arranham

Quando eu fico como um gato
arranhando a porta
suplicando até de madrugada
para entrar no conforto
dessa liberdade.

Mas nem a lua escuta minha prosa
e são as suas unhas de rosa
que ferem a minha solidão

lobo

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A água subiu

A água subiu
e o homem afogou
O fogo na pedra
na terra tocou
A água apagou
... apagou a voz
do canto da terra
que a pedra guardou
e o guerreiro dançou
e o bicho comeu
e o macho á femêa
seu corpo ofereceu.

A água subiu
e subiu a febre
subiu tão breve
como voa a ave.

O fogo na pedra
e o pau na guerrilha
O bicho da água
guardião da ilha.

Lobo

Esfregava o chão

Esfregava o chão
como sambando
tocava sabão
com água
e ia lavando de lágrimas
o coração.

Esfregava o chão
e fazia conversa
lembrava da Joana e da Conceição
e do amor que fazia á pressa
a pressa que eu tinha
de me livrar da solidão.

Esfregava o chão
assim contrariado
amor eu não estou habituado
a esta nova situação,

Por isso vou sambando
tocando a água no sabão
e distraído vou lembrando
quando eu era patrão.

Vamos fazer como antes
um copo de cerveja e um jornal
e tu a segredares ao meu ouvido
que sou sensacional marido
Lobo

Na sexta chega a besta

Na sexta chega a besta
no sábado temos o caldo entornado
no domingo acaba a festa
na segunda estás acostumado
na terça já estás farto
na quarta penduras o retracto
na quinta tiras a gravata e penduras os sapatos
Lobo
O cavalo de pau
e o fogo no rabo da literatura
A água não me livra da secura
nossa senhora da taberna
a ti dedico esta novena.

O cavalo de pau
o risco no almanaque
ao receber o prémio literário
o intelectual deu um traque.

Joga o domino
faz o pino
pão de lo
para os anos da avó

O cavalo de pau
galopa no peito
de um magro carapau
com defeito.

Lobo

Na poesia do prato da fruta

Na poesia do prato da fruta
no sumo da fruta da musica
nesse prato ás flores
no mercado os pretos vendem
roupas e mandioca
e o dia está limpo como esses dentes brancos.

Na poesia do prato da fruta
no sumo da canção na praça
há velhos e crianças
de vários lugares e os pretos
amassam a argila preta
como o carvão da noite.

No mercado há muita agitação
o freguês a regatear
e uma canção a subir
pelas pernas da moça bonita.

Na poesia do prato da fruta
no sumo da fruta da lua
nesse prato ás flores
desenhado um barco
por cima do vento

lobo

Como se o mar me prendesse os braços

Como se o mar me prendesse os braços
e eu ficasse no chão sem vontade
de fazer e de construir
como se os lábios
ficassem presos
e fosse impossivel sorrir.
Sorrir aos amigos
e escutar as conversas
as histórias da força
dessa luta de quem recomeça a viver

Como se o mar me prendesse os braços
e fosse como a corrente que prende os barcos
e eu ficasse no chão sem vontade.
Como se a liberdade
fosse aquele acto
que cai e se levanta
como se faz no teatro.

Lobo Duarte